Obesidade: entradas e saídas a serem construídas – quando a baixa autoestima nos coloca num ciclo vicioso no qual as entradas e saídas emocionais estão misturadas.

Por: Evelin Pestana, psicanalista, orientadora familiar e fundadora da Casa Aberta, SP.

A vida é uma tarefa difícil. Lidamos constantemente com o quanto nos amamos e o quanto nos sentimos capazes de ser amados. Nesse caminho, que é absolutamente singular à história de cada um, a maior das dificuldades talvez seja a de encontrarmos um modo de nos apresentar ao mundo, uma forma de ser, um estilo de vida através do qual possamos nos amar e nos sentir amados.  A obesidade, considerada hoje um dos maiores sintomas da vida moderna, dentre outros, por atingir a pessoa em sua autoestima, acaba criando um ciclo vicioso difícil de quebrar:

“...não me sinto bem, quero mudar; mas como mudar se não me sinto bem?”

 

Ao longo do crescimento emocional, e desde os primeiros anos de vida, o ser humano tem como tarefa o constante aprendizado de lidar com aquilo que sente, de poder de fato sentir o que realmente sente; de colher – e escolher – aquilo que é capaz de contribuir para a construção de um sentido próprio para a vida. Em qualquer etapa da vida, cada um de nós precisa ser capaz de juntar conteúdos(sensações, sentimentos, aflições, expectativas, alegrias, enfim, prazeres e desprazeres) e transformá-los numa forma apresentável que nos leve tanto a reconhecermos a nós mesmos como a ser reconhecidos: nosso corpo, a maneira como somos capazes de cuidar de nós mesmos diz do quanto estamos conseguindo lidar com o constante dilema entre mundo interno emundo externo.  Estamos imersos, o tempo todo, no campo do sentir, do sentido e do que não pode ser sentido.

 

A obesidade é um dos inúmeros sintomas do mundo contemporâneo a denunciar a grande dificuldade humana de conciliar o que sentimos com a forma como podemos expressar, nos aproximar e reconhecer nossos sentimentos.  Nossa saúde emocional depende tanto do que conseguimos absorver quanto do que conseguimos expressar.  O que entra e o que sai de nós não entra e sai apenas pela boca. O alimento ingerido nunca é apenas comida. Colocar pra dentro e colocar pra fora são movimentos sensoriais muito facilmente confundidos. O descompasso, o dilema, as ambiguidades e ambivalências, sentimentos bons e ruins com frequência se misturam. Nos confundimos, nos misturamos constantemente com as emoções que nos rodeiam, vindas de nós ou do outro.

 

O mundo atual (individualista, imediatista, consumista, voraz)tem levado as pessoas a vivenciarem, num ciclo vicioso difícil de quebrar, inúmeras formas de descompassos. A chamada vida moderna trouxe para o ser humano inúmeros benefícios, mas, também inúmeras tarefas difíceis, diante das quais estamos sós: conciliar o que somos com o que a sociedade nos incita a ser, através de suas inúmeras exigências de sucesso imediato e a quaisquer custos, se tornou um dos maiores dilemas dos tempos atuais.

Não por acaso, com a modernidade surgiram inúmeras questões de saúde, provando que o homem precisa hoje, mais do que nunca, construir a si mesmo em meio a um turbilhão de estímulos, em sua maioria prejudiciais.  Não por acaso, no início do século XIX, a obesidade passou a ser considerada pela medicina como um sintoma, dentre outros, capaz de expressar distúrbios emocionais.

O que está em jogo, portanto, não é a obesidade em si, mas a pessoa que sofre do que podemos chamar de um descompasso entre o mundo vivido e o mundo sentido. A obesidade aponta para a necessidade de tratar o modo como cada um vivencia as complexas relações entre o interno e o externo, entre o que pode ser colocado para dentro, o que pode ser colocado para fora e o que deve permanecer em nós, dando-nos força para construir a vida; entre o que pode ser visto e o que não pode ser mostrado; entre o que pode permanecer no interior de si mesmo como sentimentos agradáveis, e o que precisa ser digerido para ser colocado no mundo como desagrado.

 

Quando falamos de obesidade falamos não só de interno e externo, de conteúdo e de forma, falamos, sobretudo, de como cada um consegue aproximar-se, reconhecer e manejar a pessoa que é no mundo em que se está imerso. Quando falamos de obesidade, falamos de relações humanas e, sobretudo, da dificuldade em construir a si mesmo num mundo onde o espaço íntimo de cada um é cada vez mais invadido por pressões externas e internas, destituindo cada um de suas próprias sensações, de seus conteúdos emocionais e, consequentemente, interferindo na forma como gostaríamos de ser e nos apresentar ao mundo.

 

O processo terapêutico nas questões da obesidade busca levar cada um a encontrar seu próprio espaço, tempo; sua própria forma de ser, seus próprios conteúdos (emocionais), a serem resgatados, lapidados, transformados em experiências de vida capazes de construir uma forma prazerosa de sentir e apresentar a si mesmotambém para o mundo. Estando em jogo as relações humanas, o processo terapêutico na obesidade não pode deixar de considerar também a cultura familiar: seus mitos, dilemas e conflitos; suas condições de crescimento individual de cada membro da família, os recursos que cada família dispõe para lidar com os prazeres e os desprazeres num mundo onde viver, sentir-se e manter-se bem tem sido cada vez mais uma tarefa que não pode ser vivenciada na solidão dos individualismos, imediatismos e consumismos que ora regem a vida moderna. Vivemos um tempo onde a obesidade, como símbolo do excesso e da carência, se tornou testemunho de uma forma de viver que exige cada vez mais a capacidade de cuidar de si e do outro.

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